Papel
úmido não desliza.
O vento soprava forte naquela manhã, mas não
forte o suficiente para varrer das ruas aquela quantidade enorme de folhas
úmidas que caíram de suas árvores na noite passada. Entre o meio-fio e a
calçada, a água escorre lentamente rua
abaixo e um menino dá pulinhos nas poças
d’água na calçada e sorri aquele sorriso inocente de menino. Meninos precisam
ser inocentes! Sob o olhar reprovador da mãe o menino continua a pular e seus olhos brilham de contentamento com
aquela brincadeira tão prazerosa que é pular. Só pular e ver a água fazendo
pequenos jatos para cima e para os lados. Só pular! Impulsionar o corpo para
cima e descer de uma só vez e feito, a água pula brilhante, cintilante. Há uma
mágica sintonia entre o menino, seus pés, o ar, o brilho da água e do sorriso daquele menino. É só um instante! Um
instante!
Lembra da sua calçada? Bela e convidativa
poça d’água! A mãe do menino parece que esqueceu da sua. E ela existiu.
Ainda escuto os saltos do menino!
O cheiro úmido do dia toma conta da rua. O
céu está pesado segurando com dificuldade todas aquelas nuvens sérias.
O pássaro não faz conta da cara feia do céu.
Voa sem cessar e vai descendo devagar na poça d’água mais disputada daquela
manhã. Consigo ver o sorriso daquele pássaro tão pequeno e frágil. Sorriso de
pássaro fica nas asas, quando se abrem é impossível não ver aquele grande
sorriso de prazer no voar. Voar por voar! Voar, voar, voar!
Tão difícil voar!
O motorista tenta desviar da grande
quantidade d’água acumulada durante a noite. Naquela parte da cidade, os
bueiros não funcionam direito pra suportar uma vazão tão grande de água. Os
pneus cortam a água. Ela não admite que eles a sufoquem e forma quatro ondas
perfeitas, alcançando com força a calçada e volta a sossegar logo que o motorista dá a partida no ônibus
novamente.
A capa de chuva protege mas não suficiente. O carteiro repete sua seqüência
de entregas. O menino pára de pular e corre para ele.
- Eu fico com o envelope azul, não esquece!
O carteiro sorri e coloca nas mãos geladas daquele menino, aquele envelope azul de todas as
sexta- feira.
A chuva fria cai mais forte e aqueles pés
rápidos e saltitantes correm para completar aquele ritual. O envelope úmido e
as mãos do menino são cúmplices de um comprometimento. Seus pés rápidos tocam
os degraus da escada enquanto sua mão gelada segura o corrimão, cantarolando e
pulando. Seu entusiasmo em ser o portador daquela responsabilidade de colocar
por debaixo da porta o envelope azul é comparado ao de pular na poça d’água na
calçada. Só mais um minuto. Hoje é dia de empurrrar. Papel úmido não desliza.
Seus pequenos dedos ajudam o envelope que desaparece por debaixo da porta. Essa é a parte que
menos gosta. Mãos vazias.
Julia De
Menezes
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