terça-feira, 10 de novembro de 2015

Papel úmido não desliza.


Papel úmido não desliza.

O vento soprava forte naquela manhã, mas não forte o suficiente para varrer das ruas aquela quantidade enorme de folhas úmidas que caíram de suas árvores na noite passada. Entre o meio-fio e a calçada, a água escorre lentamente  rua abaixo e um menino  dá pulinhos nas poças d’água na calçada e sorri aquele sorriso inocente de menino. Meninos precisam ser inocentes! Sob o olhar reprovador da mãe o menino continua a pular  e seus olhos brilham de contentamento com aquela brincadeira tão prazerosa que é pular. Só pular e ver a água fazendo pequenos jatos para cima e para os lados. Só pular! Impulsionar o corpo para cima e descer de uma só vez e feito, a água pula brilhante, cintilante. Há uma mágica sintonia entre o menino, seus pés, o ar, o brilho da água e do  sorriso daquele menino. É só um instante! Um instante!

Lembra da sua calçada? Bela e convidativa poça d’água! A mãe do menino parece que esqueceu da sua. E ela existiu.

Ainda escuto os saltos do menino!

O cheiro úmido do dia toma conta da rua. O céu está pesado segurando com dificuldade todas aquelas nuvens sérias.
O pássaro não faz conta da cara feia do céu. Voa sem cessar e vai descendo devagar na poça d’água mais disputada daquela manhã. Consigo ver o sorriso daquele pássaro tão pequeno e frágil. Sorriso de pássaro fica nas asas, quando se abrem é impossível não ver aquele grande sorriso de prazer no voar. Voar por voar! Voar, voar, voar!

Tão difícil voar!

O motorista tenta desviar da grande quantidade d’água acumulada durante a noite. Naquela parte da cidade, os bueiros não funcionam direito pra suportar uma vazão tão grande de água. Os pneus cortam a água. Ela não admite que eles a sufoquem e forma quatro ondas perfeitas, alcançando com força a calçada e volta a sossegar  logo que o motorista dá a partida no ônibus novamente.

A capa de chuva protege mas não  suficiente. O carteiro repete sua seqüência de entregas. O menino pára de pular e corre para ele.
- Eu fico com o envelope azul, não esquece!
O carteiro sorri  e coloca nas mãos geladas daquele  menino, aquele envelope azul de todas as sexta- feira.
A chuva fria cai mais forte e aqueles pés rápidos e saltitantes correm para completar aquele ritual. O envelope úmido e as mãos do menino são cúmplices de um comprometimento. Seus pés rápidos tocam os degraus da escada enquanto sua mão gelada segura o corrimão, cantarolando e pulando. Seu entusiasmo em ser o portador daquela responsabilidade de colocar por debaixo da porta o envelope azul é comparado ao de pular na poça d’água na calçada. Só mais um minuto. Hoje é dia de empurrrar. Papel úmido não desliza. Seus pequenos dedos ajudam o envelope que desaparece  por debaixo da porta. Essa é a parte que menos gosta. Mãos vazias.

Julia De Menezes


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